Objetivos terapêuticos na síndrome do QT curto

A síndrome do QT curto (SQTS) é uma condição rara, mas perigosa, caracterizada por repolarização com tempo abreviado, presença de arritmias atriais e ventriculares e risco de morte súbita.

Autores ingleses publicaram, em maio de 2018, no Expert Opinion on Therapeutic Targets, uma revisão sobre os objetivos terapêuticos emergentes da síndrome *.

Os autores concordam que o intervalo QT do eletrocardiograma (ECG) corresponde ao período do início da despolarização ventricular até o final da repolarização.

É bem conhecido que o prolongamento do QT com correcção de frequência para além de 440-460 ms (em homens e mulheres, respectivamente -QTc-) devido a mutações genéticas nos canais iônicos ou bloqueio farmacológico dos canais de potássio (K +) está associado a um risco aumentado de arritmia ventricular.

O prolongamento do intervalo QTc para além de 500 ms parece estar particularmente associado a um risco aumentado de arritmias graves.

Desde 2000, foi identificada uma síndrome genética distinta que envolve intervalos QT anormalmente curtos (e, portanto, repolarização ventricular acelerada).

Pacientes com síndrome do QT curto (SQTS – Short QT Syndrome, sigla em inglês) genético normalmente exibem: intervalos QT curtos (em torno de <320 ms); má adaptação do intervalo QT à variação da frequência, ondas T altas e verticais; encurtamento dos períodos refratários atriais e ventriculares efetivos e um risco aumentado de arritmias ventriculares,  atriais e morte súbita – na ausência de doença cardíaca estrutural.

Formas congénitas de SQTS são diferentes das formas adquiridas de encurtamento do intervalo QT, como as produzidas pelas catecolaminas, acetilcolina, hipercalcemia, hipertermia, glicosídeos cardíacos, deficiência de carnitina ou uso de esteróides anabolizantes.

A presente revisão sintetiza o que se sabe sobre a base subjacente da SQTS e arritmogênese como uma plataforma para discutir os objetivos existentes e potenciais para a intervenção terapêutica, particularmente a intervenção farmacológica.

Os  cardioversores desfibriladores implantáveis ​​(ICDs- Implantables Cardioversores, sigla em inglês) são a proteção de primeira linha contra a morte súbita, mas a farmacologia adjuvante é benéfica e desejável.

As bases genéticas para as variantes SQTS genotipadas (SQT1-SQT8) e as evidências de substratos arritmogênicos decorrentes dos estudos experimentais e de simulação são discutidas no texto.

Existem oito tipos de SQTS genotipados com sucesso e variantes incluindo mutações de ganho de função devido aos genes K + (SQT1-3), mutações de canais iónicos ou a perda de função devido a genes de subunidade de canal de Ca2 + (SQT4-6 ), genee do canal de Na + (SQT7). ) e um permutador de anions (SQT8).

Os principais alvos dos canais iônicos / transportadores para farmacologia antiarrítmica são considerados em relação a possíveis tratamentos específicos de genótipos e não específicos para a síndrome.

Os autores realçam que, de acordo com a opinião de especialistas, o bloqueio do canal de potássio é valioso para restaurar a repolarização e o intervalo QT, embora limitações específicas existirem em genótipos usando alguns inibidores do canal de K +.

É provável que uma combinação de inibição da corrente de K + durante o patamar do potencial de ação com a inibição do canal de sódio, em conjunto, resultem na demora da refratariedade da repolarização e sejam úteis para prolongar o período refratário efetivo e o comprimento de onda para reentrada no SQTS.

A inibição do canal de K + específico para o genótipo é limitada pela falta de inibidores para uso clínico, embora atualmente existam inibidores seletivos disponíveis experimentalmente.

A proporção relativamente baixa de casos genotipados com sucesso justifica uma abordagem do genoma ou sequenciamento do exoma, para revelar novos mediadores e alvos, como foi recentemente demonstrado para o SLC4A3 no SQT8.

Aproximadamente três quartos dos casos genotipados não produziram mutações nos genes-alvo do canal iônico. Portanto, o sequenciamento do genoma ou do exoma pode ser justificado para identificar os culpados subjacentes nos casos de SQTS, nos quais a genotipagem direcionada de íons não é bem-sucedida. É provável que isso revele novos moduladores de repolarização e potencialmente novos pontos de intervenção a serem atingidos no SQTS.

Embora a orientação desta avaliação baseou-se nos objetivos e não no fármaco específico utilizado, foi inevitável que o único agente que provou ser eficaz no tratamento de SQTS é a hidroquinidina. Dados recentes de coortes mostraram um alto nível de eficácia da hidroquinidina na prevenção de eventos pró-arrítmicos com risco de vida durante o acompanhamento a longo prazo de pacientes com SQTS.

Portanto, os agentes da classe 1a, quinidina e disopiramida, nos permitem destacar os papéis dominantes para a inibição de IKr e INa para ajudar a restaurar a repolarização e refratariedade.

 Embora menos potentes contra IKr / hERG que a quinidina, a disopiramida pode oferecer uma alternativa quando os efeitos secundários gastrintestinais da quinidina impedirem seu uso.

Deve-se notar que outras ações farmacológicas concomitantes têm o potencial de atenuar os efeitos prolongadores do QT. Por exemplo, a propafenona é pelo menos tão potente contra a IKr / hERG como a quinidina e mantém em grande medida a sua eficácia contra a mutação S5T1 da N588K.

 Verificou-se adicionalmente ser eficaz no tratamento da FA nesta variante do SQT1 sem normalizar o intervalo QT.

A amiodarona, que afeta múltiplos alvos celulares, tem sido usada com sucesso mixto em pacientes com SQTS. O artigo relatou que a amiodarona não prolonga o intervalo QT em um paciente com a mutação de hERG, mas foi eficaz em combinação com β bloqueador na protecção contra arritmia maligna em um paciente com SQTS de genótipo desconhecido e estudos tem sugerido potencial de eficácia contra algumas mutações de SQT2 e 3. É necessário porém, estudos adicionais para esclarecer as circunstâncias em que a amiodarona pode ser valiosa no tratamento de SQTS.

Em última análise, os melhores tratamentos para SQTS, como outros distúrbios hereditários, além do  CDI e as drogas referidas, provavelmente incluem abordagens genéticas moleculares para corrigir as mutações subjacentes. No entanto, é improvável que essas abordagens estejam disponíveis no curto e médio prazo, o que enfatizam os autores, tornam o uso do CDI, juntamente com uma farmacologia cuidadosamente escolhida, a abordagem de escolha para a doença.

* Hancox JC, Whittaker DG, Du C, Stuart AG, Zhang H. Emerging therapeutic targets in the short QT syndrome. Expert Opin Ther Targets. 2018 May;22(5):439-451. doi: 10.1080/14728222.2018.1470621.