Bloqueio de canal HERG vs bloqueio multicanal

Desde a introdução das diretrizes de pro-arritmia do Conselho Internacional de Harmonização dos Requisitos Técnicos para Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (ICH* – sigla em inglês) em 2005, nenhuma nova droga associada a um risco inaceitável de Torsades de Points (TdP) foi comercializada.

Embora a segurança em relação aos efeitos cardíacos deletérios tenha melhorado, essas diretrizes tiveram a consequência não intencional de eliminar drogas potencialmente benéficas dos planos de desenvolvimento logo nos estágios iniciais de sua produção.

Devemos lembrar que o ICH é o único órgão que reúne as autoridades reguladoras e da indústria farmacêutica para discutir aspectos científicos e técnicos de questões de registro de medicamentos.

A missão da ICH é conseguir uma maior harmonização em todo o mundo para garantir que medicamentos seguros, eficazes e de alta qualidade sejam desenvolvidos e registrados da maneira mais eficiente em recursos possibilitando seu uso.

Neste contexto, uma publicação de autores americanas no Clinical and Translational Sciences, Novembro, 10**, realizada comparando biomarcadores eletrocardiográficos para diferenciar o bloqueio de um único canal de íons do bloqueio em múltiplos canais induzido por drogas, que seria a chave para compreender os efeitos arritmogênicos desses medicamentos à base de que mais recentemente, tem sido demonstrado que uma droga que prolonga o intervalo QTc pode ser segura se afeta múltiplos canais de íons em comparação com um único bloqueio do canal hERG e que este efeito pode ser discriminado usando subintervalos de QT

Em seu texto, os autores afirmam que estas orientações emitidas em 2005 pelo Comité Internacional de Harmonização podem ter impedido a chegada ao mercado de drogas que aumentam o risco de arritmias ventriculares fatais como a indução de TdP.

Sem embargo eles afirmam que isso teve um custo.

Sabe-se hoje que muitos patrocinadores farmacêuticas abandonaram pesquisas de drogas que apresentaram e produziram sinais clínicos e pré-clínicos de alterações da repolarização, embora muitas destas drogas fossem potencialmente seguras e benéficas.

Assim, um consórcio de vários reguladores globais de medicamentos, indústria e sociedades científicas estão desenvolvendo um novo teste paradigma abrangente in vitro para pró-arritmia (CIPA – Comprehensive in vitro pró-arritmia Assay) considerando endpoints adicionais do ECG que evidenciem a segurança cardíaca de pró-drogas.

Em 2014, o FDA conduziu sua própria investigação de biomarcadores alternativos do ECG usando medicações conhecidas por causar prolongamento do intervalo QT e ​​associados a incidência variável de risco de TdP.

O foco dos biomarcadores era nas fases de repolarização refletidas como alterações no intervalo JTpc (medidos a partir do ponto J para o pico da onda T, corrigidos para a frequência cardíaca) e intervalo TpTe (medido a partir do pico do Onda T até o final da onda T, corrigido para a frequência cardíaca).

Utilizou-se quatro drogas e placebo num estudo prospectivo, randomizado e cruzado, examinando as alterações dos intervalos JTpc e TpTe e o tradicional QTc (QT corrigido para a frequência cardíaca).

Os indivíduos receberam duas drogas associadas a um elevado risco de causar arritmia. Um grupo recebeu dofetilida, um inibidor dos canais de potássio puro relacionado ao gene humano, ether-a-go-go (hERG) e outro, quinidina, um composto que, além da inibição do hERG, também inibe o pico de corrente de sódio e várias outras correntes de potássio.

As duas drogas restantes, ranolazina e verapamil, estão associadas a um menor risco de arritmia.

Ambas inibem a hERG em combinação com a corrente de sódio tardia (ranolazina) ou a corrente de cálcio do tipo L (verapamil).

Eles descobriram que as drogas (quinidina e dofetilide) eram associadas a um elevado risco de arritmia causada pelo alargamento do intervalo JTpc, em contraste com a ranolazina, que reduzia ou não alterava o JTpc em qualquer fase, apesar de prolongar o QT e o verapamil, que não alterou o intervalo QT ou os segmentos da onda T.

Até o momento, as avaliações do FDA dos endpoints JTpc e TpTe foram reportadas apenas no ECG de 10 segundos registrados em repouso e em posição supina.

Para avançar no esforço para encontrar melhores biomarcadores ECG, os autores analisaram retrospectivamente as medições de batimento a batimento (beat to beat – BTB por sua sigla em Inglês) dos intervalos determinados em todos os dados contínuos dos ECGs de 24 horas e comparou os biomarcadores medidos e determinados, com aqueles obtidos pela abordagem tradicional de 10 segundos, em triplicata usando o software Rhythm Express.

Os intervalos BTB foram processados ​​de acordo com três protocolos:

1) Com uma média de três janelas de 10 segundos em 16 pontos de tempo pré-especificados (BTB),

2) Com uma média de 5 minutos de janelas

3) Janelas de 30 minutos a cada 30 minutos durante 24 horas (referidas como BTB5 e BTB30)

Esses dados foram comparados com medições de intervalos tradicionais em 16 pontos de tempo pré-especificados (TSAT) publicados em Physionet.

O desempenho dos biomarcadores foi determinado pela precisão do bloqueio seletivo do canal de potássio com alto risco de arritmia comparado ao bloqueio multicanal com menor risco.

Em comparação com a média do sinal de 10 segundos em triplicata, a redução no erro de classificação variou de dois a seis, à medida que a densidade das medições de batimento por batimento aumentava.

Em conclusão, os autores afirmam que este estudo demonstrou que se pode obter medições de QTc, JTpc e TPTE (TPeak-TEnd) pulsação a pulsação (BTB) do coração em medições contínuas totalmente automatizadas durante 24 horas, utilizando o software de ritmo Express e usá-las para distinguir bloqueio de íons multicanal do bloqueio de hERG puro

Uma comparação do poder preditivo medido pela área sob a curva para quatro métricas de repolarização do ECG mostrou que para este conjunto de dados, utilizando medições de batimento a batimento (BTB) foi superior ao método tradicional de medições de intervalos a partir de triplicatas de 10 segundos, já que suas medições de BTB mostraram uma redução de duas a seis vezes no erro de classificação, ao mesmo tempo em que proporciona uma melhora, ainda que modesta, na sensibilidade.

O uso de medidas do intervalo BTB parece promissor para reduzir significativamente o erro de classificação e melhorar a especificidade dos ensaios destinados a discriminar o bloco iônico multicanal do bloco hERG puro

* https://www.ich.org/home.html

** Brockway M, Mason JW, Brockway BP. Comparação de Biomarcadores Eletrocardiográficos para Diferenciar o Único Induzida por Drogas vs. Múltiplo Bloco do Canal Iônico Cardíaco. Clin Transl Sci. 2018 Nov 10. doi: 10.1111 / cts.12596. [Epub ahead of print]