O Dr. Oswaldo Gutierrez Sotelo pertencente ao Departamento de Cardiologia, Hospital Clinica Bíblica, San José de Costa Rica publicou no volume 10, No. 1 do Jornal de Eletrocardiografia e Arritmias, órgão do SADEC (Sociedad Argentina de Electrofisiologia Clínica) um artigo baseado na apresentação de casos de pacientes com marcapasso, nos quais foi observada a presença de eventos eletrocardiográficos que simulavam disfunção do dispositivo *.
Na maioria deles, tratava-se da execução de algoritmos destinados a intervir em situações clínicas específicas.
O autor comenta que a complexidade dos parâmetros programáveis nos marcapassos atuais tem multiplicado a possibilidade de encontrar situações que dão a aparência de mau funcionamento.
Em muitos casos, o uso do programador é essencial para confirmar se, na verdade, é uma disfunção ou se é apenas a execução de um algoritmo específico.
Essas situações mencionadas poderiam ser agrupadas em 4 categorias: 1) Interação com eventos intrínsecos; 2) Altas frequências de estimulação ventricular; 3) Altas frequências de estimulação atrial e 4) Pausas ou pseudo-bradicardias.
Com base em suas duas funções básicas – detecção de batimentos e estimulação pelo dispositivo – os marca-passos podem ter falhas na detecção de seu próprio ritmo, e na estimulação miocárdica.
Em relação à detecção, não deve haver conflito entre o ritmo estimulado e o ritmo do paciente; de fato, o marca-passo detecta o intervalo programado para enviar seus estímulos: se o ritmo do próprio paciente é acelerado em relação ao ritmo programado – determinado pela taxa daquele intervalo – o marcapasso será inibido. Ao contrário, se o próprio ritmo for mais lento, o marca-passo deve retomar a estimulação, no intervalo supracitado.
No segundo caso, as espículas serão observadas sem os respectivos complexos QRS, devido ao deslocamento do eletrodo e consequente perda de contato com o endocárdio; ou, devido a requisição de corrente alta, além do valor de tensão programado.
No entanto, deve-se ter em mente que pode haver ritmos rápidos ou lentos no ECG que podem simular uma disfunção do marcapasso.
Como um exemplo de um ritmo rápido, menciona-se que durante o exercício, com o aumento da frequência sinusal, cada contração auricular é seguido pela sua respectiva estimulação ventricular (na ausência de ritmo ventricular próprio), mas se durante o exercício a estimulação ventricular é suspensa abruptamente, o mais provável é que a “taxa máxima de rastreamento” ou “taxa superior de rastreamento” tenha sido alcançada; este parâmetro programável no marcapasso determina em que medida é o marca-passo é capaz de manter um rastreamento auricular na proporção de 1: 1. Se a taxa sinusal intrínseca durante o exercício exceder esse limite, as contrações atriais serão em maior número que as espículas, um fenômeno chamado de “fenômeno Wenckebach eletrônico”, e que pode comprometer o desempenho físico do paciente.
Estritamente falando, não é um mau funcionamento, mas deve ser programado taxa de rastreamento máxima de acordo com a frequência sinusal máxima alcançada com o exercício segundo o desempenho cronotrópico em cada paciente.
Os ritmos lentos que podem simular a disfunção do marcapasso também devem ser considerados.
Nos dispositivos, as frequências de estimulação mais baixas que o habitual, podem ser programadas; elas são chamadas de “histerese da frequência cardíaca”, “frequência de repouso” ou “frequência noturna”.
Além disso, frequências de estimulação mais baixas podem ser observadas durante períodos muito breves, quando o aparelho realiza testes automáticos de limiar de estimulação, sensibilidade, impedância, entre outros.
Existem vários algoritmos que visam a busca de frequência ventricular intrínseca durante estimulação DDD dupla câmara, a fim de evitar estimulação ventricular desnecessária: durante a “histerese do intervalo AV”, o dispositivo prolonga sua duração em algumas batidas; uma vez decorrida a janela de busca, se nenhum ritmo for encontrado, o dispositivo retoma a estimulação DDD no intervalo AV programado; se encontrada, a estimulação AVI é mantida com um longo intervalo AV (maior que o programado), dando a aparência de disfunção do aparelho.
Em conclusão, a interpretação nos eletrocardiogramas de alguns dos eventos observados durante a estimulação que podem sugerir disfunção, requer ter em conta a diversidade dos ritmos intrínsecas que interagem com o dispositivo e do inumerável número de algoritmos desenvolvidos pela indústria para as diversas finalidades funcionais dos marca-passos.
* Gutiérrez Sotelo, O. Eventos electrocardiográficos que semejan disfunción de marcapasos. Electrofisiología y Arritmias, Vol X N° 1, 38-46 / Año 2018