Como usar dispositivos digitais para detectar e gerenciar arritmias: um guia prático da EHRA

A evolução da tecnologia permitiu com que os dispositivos de monitoramento do ritmo cardíaco se tornassem cada vez menores fazendo com que eles estivessem disponíveis para cada indivíduo seja através do telefone celular, dispositivos dedicados pequenos ou até mesmo relógios que permitem a monitorização contínua do ritmo e a realização de eletrocardiograma.

Existem duas principais formas de monitoramento, uma delas é baseado na pletismografia, seja pela luz e câmera do celular, sensores posicionados nas pontas dos dedos ou nos relógios. Essa técnica de pletismografia permite que mesmo celulares não desenhados para esse objetivo obtenham uma leitura com razoável precisão do ritmo cardíaco, permitindo a contagem da frequência cardíaca e a identificação de irregularidades do ritmo que pode estar associado a fibrilação atrial. Entretanto é importante salientar que sempre que uma arritmia for detectada em dispositivos baseados em pletismografia, deve ser confirmada por eletrocardiograma.

A segunda forma, mais precisa, porém com a necessidade de dispositivos adaptados ou dedicados consiste na leitura do eletrocardiograma em si. Os dispositivos contêm eletrodos que permitem a captura dos sinais elétricos do coração, podendo registrar duas derivações quando existir apenas dois eletrodos, porém podendo registrar até seis derivações nos dispositivos com mais de dois eletrodos. Essa tecnologia associada a sistemas de inteligência artificial permite além do registro do ECG a interpretação deste, podendo alertar ao paciente a ocorrência de fibrilação atrial, batimentos elevados ou reduzidos.

Recentemente a European Heart Rhythm Association (EHRA) elaborou com a contribuição da LAHRS um documento intitulado “How to use digital devices to detect and manage arrhythmias: an EHRA practical guide” (1) onde as características e aplicações desses dispositivos são discutidos de maneira bastante interessante e profunda, inclusive com recomendações baseada no consenso de especialistas são apresentadas nesse documento.

Com relação ao rastreamento da Fibrilação Atrial (Figura 1), a utilização intermitente desses dispositivos está indicada e é benéfica em indivíduos com idade acima de 75 anos, podendo também ser utilizada em indivíduos com idade maior que 65 anos com comorbidades que aumentem o risco de AVC. Em indivíduos mais jovens ou com menor risco, o rastreamento esporádico pode ser realizado, porém nesses casos devido a incidência de FA ser muito baixa, apresentam taxas baixas de detecção. Um ponto importante com relação a detecção da FA é que quando identificada e avaliada com relação ao uso do anticoagulante e manejo dos fatores de risco foi evidenciado benefício na prevenção de eventos embólicos. (2)

Figura 1 – Eletrocardiograma demonstrando fibrilação atrial detectada em relógio com registro de eletrocardiograma

Nos pacientes com diagnóstico prévio de FA esses dispositivos têm também um papel interessante no manejo do paciente. O uso desses dispositivos pode ter um papel melhorando o engajamento e aderência na estratégia ABC (3) para o manejo da FA. Outra utilização bastante interessante desses dispositivos está após o procedimento de ablação de FA com o objetivo de detectar os casos de recorrência durante o seguimento, permitindo melhor ajuste das medicações.

Outra população onde os dispositivos podem ajudar ao tratamento convencional são nos pacientes com arritmias ventriculares e síncope (Figura 2). Entretanto uma das limitações desses dispositivos são que eles não promovem uma monitorização eletrocardiográfica contínua, devendo ser ativados ou colocados pelo paciente. Nesses casos os dispositivos baseados em Patchs autoadesivos com monitorização contínua podem ser benéficos. Os pacientes com palpitações paroxísticas com duração de alguns minutos, geralmente quando procuram o pronto-socorro para registro da arritmia apresentam reversão antes da chegada e como os episódios são esporádicos muitas vezes não podem ser registrados em exames de Holter ou monitor de eventos sintomáticos. Atualmente, com o uso dos dispositivos de detecção apresentam fácil registro do traçado da arritmia, muitas vezes identificando taquicardias supra-ventriculares que são passíveis de ablação e controle completo da arritmia.

Figura 2 – Taquicardia ventricular documentada em paciente com miocardiopatia isquêmica, cicatriz inferior e episódios de palpitações taquicárdicas rítmicas de curta duração. O episódio registrado, foi bem tolerado hemodinamicamente e apresentou duração de aproximadamente 5 minutos com reversão espontânea, sendo o paciente na evolução submetido a ablação de taquicardia ventricular, sem recorrência após a ablação.

Hoje em dia cada vez mais os pacientes serão portadores desses dispositivos, trazendo beneficio no diagnóstico e tratamento das arritmias cardíacas, portanto é de suma importância que os médicos envolvidos tenham conhecimento das características, vantagens e desvantagens de cada dispositivo, bem como o uso nas diferentes arritmias cardíacas, sendo essa publicação de extrema relevância para os médicos da nossa sociedade.


Dr. Cristiano Pisani

Médico Assistente da Unidade de Arritmias do Instituto do Coração – HC/FMUSP
Medial Staff at Arrhythmia Unit at InCor – Heart Institute – University of São Paulo Medical School

Referencias:

1. Svennberg E, Tjong F, Goette A, Akoum N, Di Biase L, Bordachar P, et al. How to use digital devices to detect and manage arrhythmias: an EHRA practical guide. Europace : European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the European Society of Cardiology. 2022.

2. Svennberg E, Friberg L, Frykman V, Al-Khalili F, Engdahl J, Rosenqvist M. Clinical outcomes in systematic screening for atrial fibrillation (STROKESTOP): a multicentre, parallel group, unmasked, randomised controlled trial. Lancet. 2021;398(10310):1498-506.

3. Hindricks G, Potpara T, Dagres N, Arbelo E, Bax JJ, Blomstrom-Lundqvist C, et al. 2020 ESC Guidelines for the diagnosis and management of atrial fibrillation developed in collaboration with the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS): The Task Force for the diagnosis and management of atrial fibrillation of the European Society of Cardiology (ESC) Developed with the special contribution of the European Heart Rhythm Association (EHRA) of the ESC. European heart journal. 2021;42(5):373-498.