Fibrilação Atrial (FA) e Cardiomiopatia Hipertrófica (CMH)

Um editorial publicado no jornal Circulation, em dezembro de 2017, tratou do tema da interferência da FA na evolução dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica (CMH) quando associadas*. 

 

De fato, a fibrilação atrial (FA) é a arritmia sustentada mais comum nesta doença cardíaca.

 

Ocorre em 20% dos pacientes com CMH, sendo mais frequente em idosos e naqueles com obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo.

 

Apesar da incidência e morbidade relativamente altas desta arritmia na CMH, apenas um pequeno número de estudos abordou sistematicamente as implicações clínicas da FA na CMH e muitos foram publicadas há mais de uma década.

 

O editorialista da Circulation, Dr. P. Spirito, comentou os dados da investigação de Rowin et al no Tufts Medical Center ** sobre a evolução e manuseio clínico da FA em > 300 pacientes consecutivos com FA e CMH, parte de uma coorte de quase 1600 pacientes CMH avaliados neste centro de referência durante um período de 10 anos.

 

O período médio de acompanhamento foi de 5 anos. Dos pacientes com FA, 74% portavam FA paroxística sintomática e 26% FA permanente. A partir dos dados obtidos desta importante coorte de pacientes em tratamento continuo emergem uma série de importantes observações conforme o editorial de Spirito.

 

O texto enfatiza um aspecto novo e essencial, diferindo consideravelmente da maioria das publicações anteriores sobre CMH, em relação ao curso clínico e os resultados geralmente favoráveis na grande maioria dos pacientes com FA nesta população.

 

Por exemplo, aproximadamente 90% dos pacientes com FA estavam vivos na avaliação mais recente, e a grande maioria estava na classe I ou II da New York Heart Association. Apenas 4% deles morreram por causas relacionadas à CMH, com uma taxa de mortalidade anual de 0,7%. 

 

Em particular, as mortes resultantes de eventos tromboembólicos (ET), o tipo de morte mais diretamente relacionada à FA, ocorreram em apenas 2 pacientes (mortalidade anual, 0,1%). 

 

Além disso, a incidência de morte súbita, morte total relacionada à CMH e mortalidade por todas as causas em 5 anos foram semelhantes em pacientes com e sem FA.

Semelhantemente, a incidência de insuficiência cardíaca grave (Classe III / IV da NYHA) aos 5 anos foi parelha nos dois grupos (cerca de 20%) e em pacientes com obstrução do fluxo de saída, com ou sem FA (30%).

 

Essas observações lançam uma luz nova e mais favorável sobre o impacto da FA no curso clínico da CMH.

 

Mas como podemos explicar esses resultados? Os importantes avanços no tratamento de pacientes com CMH nas últimas duas décadas provavelmente justificam esses achados.

 

A morte súbita, uma das manifestações mais devastadoras da CMH, pode ser efetivamente evitada pelo CDI. 

 

Obstrução do fluxo de saída do VE e sintomas de insuficiência cardíaca podem ser corrigidos por miectomia septal cirúrgica com mortalidade operatória ≤1%. Os eventos tromboembólicos podem ser efetivamente prevenidos pelo início oportuno da anticoagulação, uma terapia facilitada pela introdução de novos anticoagulantes orais diretos.

 

Cerca de 25% dos pacientes com FA documentada experimentou apenas um episódio sintomático nos 5 anos médios de acompanhamento e o tamanho do átrio esquerdo (AE) não diferiu significativamente entre os doentes com um único episódio de FA e aqueles com múltiplos episódios de FA.

 

Estes resultados indicam que é difícil prever o tempo de recorrência de AF em cada paciente com CMH, e um único episódio de FA não pode justificar o início de terapia anti-arrítmica para prevenir recidiva, tratamento potencialmente associado com efeitos colaterais significativos.

 

Notou-se em análise de subgrupo que quase 70% dos pacientes no estudo, que estraram no estudo com FA permanente ou progrediram de paroxística a permanente durante o follow-up estavam em classe I / II da New York Heart Association na avaliação mais recente.

 

Demonstrou-se também que: risco de acidente vascular cerebral embólico (AVCE), morte relacionada à CMH ou mortalidade por todas as causas não diferiram nos pacientes com FA paroxística ou permanente.

 

Portanto, em muitos pacientes com CMH, a transição de recorrências imprevisíveis de FA paroxística para permanente com o controle adequado da frequência cardíaca parece ser bem tolerada e pode melhorar a qualidade de vida, liberando o paciente da ansiedade de possíveis recorrências de eventos arrítmicos e hospitalizações repetidas.

 

Tromboembolismo ocorreu significativamente menos freqüentemente em pacientes que receberam profilaxia anticoagulante.

 

O tamanho do átrio esquerdo, o número de episódios de FA e a categoria de FA (paroxística ou permanente) não foram marcadores confiáveis do risco de AVC.

Observou-se ainda em 18 pacientes com FA (6%) que tiveram um AVC embólico, 5 ocorreram após um único episódio de FA. Confirmou-se o fato de que em CMH, o escore CHA2DS2-VASC não é útil para cálculo do risco de AVCE.

Portanto, devido aos efeitos potencialmente devastadores dos eventos tromboembólicos, a anticoagulação deve ser considerada em todos os pacientes com CMH e FA, independentemente do tamanho do átrio esquerdo e do número e da duração dos episódios. FA.

 

A ablação por cateter foi realizada em um subgrupo de aproximadamente 50 pacientes (15%) com FA paroxística, nos quais a recorrência de FA limitou severamente a qualidade de vida. No entanto, a ausência de recorrência sintomática de FA após o procedimento inicial de ablação foi de apenas 40% ao ano e 30% aos 3 anos.

 

Esses resultados são consistentes com estudos anteriores na CMH.

A eficácia limitada da ablação por cateter pode ser explicada pela fisiopatologia complexa da CMH, uma doença de disfunção diastólica e obstrução da via de saída do VE pela válvula mitral pode conduzir a elevadas pressões de enchimento do VE, dilatação progressiva do átrio esquerdo e insuficiência cardíaca progressiva com FA como resultado dessa cascata de eventos.

 

Os procedimentos biatriais Cox-Maze (Cox-Maze III ou IV), que utilizam tanto a crio-ablação como radiofrequência bipolar foram utilizados em aproximadamente 70% dos 100 pacientes que apresentavam obstrução do fluxo de saída do VE, história de FA e realizaram a miectomia septal.

 

O procedimento Cox-Maze não é realizado rotineiramente em pacientes com CMH no momento da miectomia septal e como os dados disponíveis sobre esse procedimento estão limitados a um pequeno número de pacientes com CMH, estes resultados são interessantes.

 

A ausência de recorrência sintomática de FA após o Cox-Maze foi de 75% ao ano e 70% aos 3 anos. Portanto, este procedimento provou ser substancialmente mais eficaz do que a ablação por cateter da FA. 

 

No entanto, pode ser difícil discriminar os efeitos favoráveis do processo de Cox-Maze na recorrência de FA dos efeitos da miectomia septal, pois nesta o gradiente de saída do VE diminui, a regurgitação da válvula mitral desaparece e é possível a redução do tamanho do átrio esquerdo.

 

Além disso, o Cox-Maze III ou IV bipolar é tecnicamente complexo, requer um alto nível de experiência e pode prolongar o tempo de circulação extracorpórea.

 

Portanto, o esclarecimento do papel do procedimento de Cox-Maze concomitante a miectomia septal cirúrgica requer uma investigação mais aprofundada.

 

Em conclusão, o estudo de Rowin et al lança uma luz nova e mais favorável sobre a FA e seu impacto no curso clínico da CMH. Em contraste com a literatura anterior, a FA não parece ser a principal causa de morte relacionada à progressão da doença ou HCM e está associada à baixa mortalidade. 

 

Sem dúvida, avanços substanciais no tratamento geral da CMH nas últimas duas décadas contribuíram para melhorar os resultados e a qualidade de vida dos pacientes com CMH e FA.

 

* Spirito P. Atrial Fibrillation in Hypertrophic Cardiomyopathy: New Light on an Old Problem. Circulation. 2017 Dec 19;136(25):2437-2439. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.117. 031743.

** Rowin EJ, Hausvater A, Link MS, Abt P, Gionfriddo W, Wang W, Rastegar H, Estes NAM, Maron MS, Maron BJ. Clinical Profile and Consequences of Atrial Fibrillation in Hypertrophic Cardiomyopathy. Circulation. 2017 Dec 19;136(25):2420-2436. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.117.029267. Epub 2017 Sep 15.