Em 24 de fevereiro de 2019, foi publicado no Journal of Electrofisiology um artigo sobre o papel de feixe septo pulmonar (FSP) no flutter atrial (FA) dependente do teto do átrio esquerdo com um componente epicárdico. São apresentados dois casos em que a resolução da arritmia não foi alcançada apesar do isolamento da parede posterior.
O cateter ou a ablação cirúrgica da fibrilação atrial podem predispor pacientes ao desenvolvimento de flutters atriais atípicos. Quando há suspeita de macro reentrada, o mapeamento da ativação do impulso e manobras de encarrilhamento (entrainment) são úteis para delinear o circuito da arritmia e planejar uma estratégia de ablação que implique na interrupção do istmo crítico por criação de linhas de bloqueio entre as duas barreiras anatômicas.
Entretanto, algumas vezes essa taquicardia não termina apesar de um diagnóstico aparentemente correto e de uma cuidadosa estratégia de ablação. Em tais casos, não se deve somente reconsiderar a precisão do diagnóstico inicial e descartar a transição para um circuito diferente, mas também considerar a anatomia e suspeitar da existência de feixes musculares epicárdica distintos, separados anatomicamente, o que pode ter um papel nas arritmias de reentrada atrial.
Neste relato, os 2 casos de flutter atrial teto dependentes não foram eliminados intra procedimento apesar do isolamento do endocárdio da parede posterior em um deles e a recidiva no outro ocorrer após isolamento anterior da parede posterior.
Esse insucesso levantou a suspeita da presença de componente epicárdico envolvendo o feixe septo pulmonar (FSP). No trabalho, os mapas de ativação e encarrilhamento além da abordagem da ablação realizada em cada caso são mostrados. Mais ainda, foi descrita a correlação entre os achados eletrofisiológicos e o substrato anatômico.
Os autores relembram que o papel das conexões interatriais e das fibras epicárdicas nas arritmias de reentrada atrial tem sido cada vez mais reconhecido. A veia de Marshall pode fornecer conexões epicárdicas entre o seio coronário e o átrio esquerdo, evitando o istmo mitral e explicando o insucesso nas ablações de flutters perimitrais.
O Feixe de Bachmann (FB), um feixe paralelo de fibras do miocárdio que se estende no subepicardio do sulco interatrial é a principal via de condução entre os átrios e tem sido referido como sendo o principal substrato para alguns flutters biatriais.
Além disso, o feixe intercaval que liga o átrio direito ou a veia cava superior à veia pulmonar superior direita, pode dificultar o isolamento da veia pulmonar e tornar necessária a ablação da carina da veia pulmonar direita ou a partir do átrio direito.
Em ambos os casos descritos, teto dependentes, que persistiram depois do isolamento da parede posterior, bloqueio de entrada endocárdico foi confirmada ao não se demonstrar eletrogramas de alta frequência ou atividade dissociada no interior da veia pulmonar e na parede posterior. Além disso, o bloqueio de saída foi documentado pela ausência de captura quando estimulados com 10 mA durante 2,0 ms, ambas as estruturas. Mesmo documentadas estas estimulações e bloqueios através do mapeamento da ativação e encarrilhamento, ainda foi possível estimular com 50mA em 2 ms, proporcionando evidência de condução epicárdica através do epicárdio posterior da parede. (Veja a Figura)
A possibilidade do Flutter teto dependente persistir após isolamento da parede endocárdica posterior implica em dissociação entre a atividade eléctrica no endocárdio (eletrogramas ausentes ou dissociados) e epicárdio (Flutter sustentado). Essa dissociação elétrica entre endocárdio e epicárdio poderia ser reforçada pela arquitetura muscular de duas camadas do átrio esquerdo, como descrito por James Papez em 1920. Com dissecções detalhadas da parede do átrio esquerdo, o autor informou sobre a existência de um grande grupo de fibras subepicárdicas surgindo do sulco interatrial debaixo do FB, passando principalmente em direção longitudinal e descendo na parede posterior entre os orifícios das veias pulmonares (VP) direita e esquerda. Esses fascículos musculares foram denominados por Papez como Feixe Septo Pulmonar (FSP).
O mesmo autor também descreveu um feixe de fibras dispostas mais profundamente que o FSP, compondo o subendocárdio atrial esquerdo, o “feixe septo-atrial” (FSA). Esse feixe origina-se da rafe interatrial anterior, ascende obliquamente e combina-se com as fibras longitudinais do vestíbulo anterior para passar entre as VPs esquerda e direita na parede posterior.
Esta arquitetura de duas camadas foi subsequentemente confirmada por outros autores e, mais recentemente, através de técnicas de imagenologia por ressonância magnética cardíaca (RMC), possibilitando a reconstrução em 3D com resolução submilimétrica das fibras musculares de todo o coração humano. Embora tenha sido relatada alguma variabilidade da arquitetura muscular nos átrios humanos, seu arranjo de duas camadas no átrio esquerdo é consistentemente descrito na literatura publicada. Essas camadas não são separadas por bainhas isolantes de tecido fibroso, o que torna provável que o isolamento da parede traseira afeta o nível endocárdico do FSA e também ser parte do FSP com a preservação das suas fibras mais epicárdicas para manter o Flutter Atrial teto dependente, como os casos apresentados aqui.
Segundo os autores, este é o primeiro relato que descreve essa observação e tem importantes implicações. Em primeiro lugar, ele mostra que, apesar da ablação do bloqueio endocárdico de condução bidirecional linear mostrada na parede posterior poder ser continuada no epicárdio, isto sugere uma falta de lesões transmurais em toda a área.
Em segundo lugar, essa falta de transmuralidade poderia explicar a recorrência da arritmia após a extensa ablação da FA, que inclui o isolamento das veias pulmonares e da parede posterior.
Em terceiro lugar, o teste de bloqueio bidirecional com base em remoção de eletrogramas locais de alta frequência, sem captura de 10 mA com 2ms, possivelmente, não é um substituto efetivo do efeito transmural, pelo menos na parede posterior. O uso de estimulação a 50 mA com 2ms dentro da área da parede posterior pode ser um método mais preciso para demonstrar o verdadeiro bloqueio de saída.
No entanto, este recurso final requererá uma ablação mais agressiva sobre a parede do fundo que deve ser contrabalançada com o risco de danos colaterais, especialmente a lesão esofágica, e sugere a necessidade um desenho cuidadoso para demonstrar a incidência e o impacto clínico dos estudos das conexões epicárdicas da parede posterior.
Nos 2 pacientes aqui relatados não foi necessária abordagem por ablação epicárdica e o circuito interrompeu-se pela colocação de uma nova linha de fluxo de ablação caudal à linha de piso inicial ou após a ablação de todos os lugares com eletrogramas distantes dos campos com maior captura de saída e duração dentro da área.
O fornecimento de uma ablação complementar ao longo das mesmas linhas originais, usando mais energia por um período mais longo, poderia ser uma abordagem alternativa, mas o risco de lesão esofágica também poderia aumentar.
Em conclusão, podemos suspeitar de um componente epicárdico que envolve o FSP quando o mapeamento é compatível com um FA teto dependente, mas nenhuma supressão total é obtida com o aparente isolamento da parede posterior.
O diagnóstico pode ser feito por estimulação de alto desempenho na área da parede posterior, o que resultará em uma aceleração do Flutter estimulado com encarrilhamento intracardíaco oculto.
* * Garcia F, Enriquez A, Arroyo A, Supple G, Marchlinski F, Saenz L. Roof-dependent atrial flutter with an epicardial component: Role of the septopulmonary bundle. J Cardiovasc Electrophysiol. 2019 Feb 24. doi: 10.1111/jce.13885. [Epub ahead of print]