O tópico selecionado hoje para comentário refere-se a dessincronia e sua correção através da terapia de ressincronização.
Não é um tema inédito, mas adquire dupla relevância em virtude do próprio assunto e pelo fato de que, pela primeira vez nesta coluna o texto de referência vem de autores latino-americanos – argentinos – em uma revista escrita na linguagem hispânica.
O trabalho é intitulado Dessincronia intraventricular e “desacoplamento elétrico”: uma desordem exclusiva do BCRE? de Claudio de Zuloaga e seus colegas do Hospital Nacional Professor A. Posadas de Buenos Aires *.
Iniciamos o comentário lembrando que o Dr. Zuloaga é um renomado eletro fisiologista, colaborador do Fórum Ibero-Americano de Arritmias por Internet (FIAI) e foi participante do Comité Científico do Primeiro Simpósio Virtual da Síndrome de Brugada realizado em 2002, ambas atividades compartilhadas na Internet.
Os autores do documento introduzem o assunto recordando que a importância dos problemas elétricos interventriculares é bem conhecida, assim como os distúrbios que alteram a sequência de ativação em ambos os ventrículos.
Dessincronização produzida por Bloqueio Completo de Ramo Esquerdo (BCRE) ou Avançado, e sua associação com insuficiência cardíaca, morte súbita, insuficiência mitral, etc., está bem estabelecida e estudada.
Assim, o efeito deletério do BCRE sobre a função do ventrículo esquerdo e sua possível correção com a terapia de ressincronização cardíaca (TRC) tem sido mencionado em inúmeras publicações.
Alguns textos científicos também mostram vários aspectos a serem levados em conta ao analisar o BCRE como a origem da dessincroniza.
Sabemos que o BCRE nem sempre é a causa da dessincroniza na atividade elétrica dos ventrículos para levar a um déficit contrátil e insuficiência hemodinâmica.
De acordo com os resultados obtidos em pacientes submetidos a TRC é possível ver que a seleção de pacientes para esta terapia não identifica resposta positiva em todos os casos, havendo uma proporção de 35% que mesmo atendendo aos requisitos clássicos de seleção não respondem favoravelmente e podendo até piorar a dessincronia.
Assim, é provável que outros distúrbios de condução tenham envolvimento fisiopatológico alterando a sequência correta da ativação ventricular, e passam despercebidos na prática diária, porque não estão associados a uma elevada mortalidade ou mais sintomas.
Tal é o caso dos hemibloqueios, dos Bloqueios Completo do Ramo Direito (BCRDs), e pacientes com QRS estreito, os quais podem expressar condução e excitação intraventriculares anormais responsáveis por vários sintomas ou mesmo arritmias, mas são completamente despercebidos porque eles não apresentam a morfologia típica do BRE.
Na abundante e rica literatura atual, define-se a TRC com otimização máxima quando consegue corrigir o atraso de ativação do Ventrículo Esquerdo (VE) em relação ao Ventrículo Direito (VD), ocorrendo despolarização simultânea de ambas as câmaras, de modo que produza sincronização mecânica e, por conseguinte, redução da regurgitação mitral, do movimento paradoxal do septo interventricular, etc.
Assim, admitimos que a única entidade comprovadamente capaz de gerar essa dessincroniza é o BCRE sem saber qual é o papel de outros transtornos de condução.
Com base nestes pressupostos e para determinar a incidência de desordens eléctricas na população em geral, as variáveis de sincronismo interventricular em pacientes com QRS normal e distúrbios de condução frequentes na prática diária foram estudadas.
Para tanto, 275 pacientes compareceram ao chamado para a consulta de Cardiologia e foram estudados sob diferentes objetivos. 45% dessa população eram mulheres e a idade média era de 45 ± 31 anos (2 dias a 93 anos).
Em todo o estudo a sincronia elétrica intra e interventricular foi realizada com o SynchroMax ®, sistema que utilizou análise espectral padrão do ECG de 12 derivações e da correlação cruzada de DII (Septo IV direito) e V6 (parede lateral do VE) com análise de: 1. Tempo de ativação ventricular máxima. 2. Direção e volume do fluxo de ativação. 3.Duração do QRS.
Com estes valores, um índice matemático chamado índice de sincronia eléctrica (ISE), foi estabelecido considerando os seguintes graus de valores: 1. 0 à 0,4: Sincronia normal. 2. 0,4 à 0,7: Dessincronização moderada 3. > 0,7: Dessincronização grave.
Os resultados nos 76 pacientes com QRS normal, mostraram que apenas 2,6% deles apresentavam dessincronia significativa, enquanto 84% tinham ativação normal.
Em pacientes com BRD, 76% tinham ativação sincrônica bi ventricular e apenas 4% tinham dessincroniza, resultados que são comparáveis aos pacientes com QRS estreito (p > 0,5).
Dos 66 pacientes com BRE, 82% apresentaram dessincronia moderada a grave, enquanto naqueles com HBIA observou-se uma alta porcentagem de dessincroniza grave (54%), enquanto apenas 8,3% tinham ISE normal.
A associação de BCRD + HBIA ou HBIP apresentou tipo de dessincroniza próxima ao BCRE, com ISEs muito semelhantes (p> 0,5).
Como conclusões, os autores afirmaram que este estudo permitiu afirmar que não apenas o BCRE produz dessincroniza da ativação interventricular; BCRD associado com hemibloqueio gera dessincronia marcada mas devido ao atraso na ativação da parede lateral do VE como em BRE, porém com ativação oposta a direção do fluxo., Face a estes achados o TRC convencional nesta condição nunca poderia melhorar a evolução desses pacientes com insuficiência cardíaca, pois não corrige o defeito de ativação desses pacientes.
O HBIA demonstrou uma incidência significativa de ISE anormal, embora o impacto clínico não seja muito significativo porque não produz dissociação de VD-VE como no BCRE.
Pacientes com QRS normal tinham atividade ventricular sincrônica, mas uma pequena porcentagem deles demonstrou uma anormalidade acentuada na ativação ventricular, ligada à doença cardíaca subjacente.
* Claudio de Zuloaga, Osvaldo Anjo Pérez Mayo, Gustavo Alejandro Costa, Ricardo Speranza, Alberto Alfie, Daniel Deluso, Marcelo Robi, Mauro Baliño, Nabel Colque, Camila Olivera, Adrian Bielecky. Dessincroniza intraventricular e “desacoplamento elétrico”: uma desordem exclusiva do BCRI? Rev Electro e Arritmias 2018; 10: 48-55