A síndrome de Tako Tsubo (TTS por sua sigla em inglês) representa uma entidade enigmática que desperta o interesse do mundo da cardiologia. Um aspecto pouco abordado é o das arritmias ventriculares em pacientes portadores da entidade.
Esse será o assunto que vamos lidar comentando sobre uma publicação de autores alemães na edição de agosto do Journal of Arrhythmia*.
Durante a fase aguda, os pacientes com TTS são propensos a complicações graves, incluindo descompensação cardíaca, edema pulmonar, choque cardiogênico, obstrução dinâmica da via de saída, formação de trombo ventricular no ventrículo esquerdo (VE) ou arritmias fatais.
As arritmias ventriculares (AV) representam um fator importante para a morbimortalidade, sendo, portanto, um desafio terapêutico e foco objetivo na abordagem dos pacientes.
Começamos por notar que a síndrome de Takotsubo é uma doença cardíaca não isquêmica caracterizada por disfunção ventricular esquerda transitória com início agudo.
Ela é encontrado predominantemente em mulheres na pós-menopausa e muitas vezes desencadeada por estresse físico ou emocional sendo os principais sintomas: dor no peito e falta de ar que a confunde com outras doenças.
Além disso, os achados eletrocardiográficos (ECG) e laboratoriais não permitem a identificação confiável dessa entidade. Portanto, o diagnóstico final baseia-se em vários critérios listados abaixo, eletrocardiografia e requer uma abordagem de imagem multimodal incluindo ecocardiografia, arteriografia coronária e ventriculografia por ressonância magnética cardíaca (RNM).
- Anormalidades cinéticas regionais da parede ventrícular esquerda ou direita em menor frequencia que são comumente, mas nem sempre, precedidas por um gatilho estressante (emocional ou físico).
- Essas anomalias regionais geralmente se estendem além da área de uma única artéria epicárdica e freqüentemente resultam em disfunção circunferencial dos segmentos ventriculares envolvidos.
- A ausência de doença aterosclerótica coronária aguda como obstrução por ruptura de placa, trombose, dissecção coronária ou outra patologia (v.g: Miocardite, miocardiopatia hipertófica, etc) para explicar o padrão observado de disfunção ventricular esquerda.
- Anormalidades recentes de padrão aguda no ECG: elevação ou depressão do segmento ST, bloqueio de ramo esquerdo (BRE), inversão da onda T, e prolongamento de QT) reversíveis já naa fase aguda ou em periodo breve (3 meses).
- Peptídeo natriurético sérico significativamente elevado (BNP ou NT-proBNP) durante a fase aguda
- Elevação da troponina cardíaca relativamente pequena, com disparidade entre seu nível e a quantidade de miocárdio disfuncional presente.
- Recuperação da disfunção ventricular sistólica em imagens cardíacas no seguimento (3-6 meses).
Um dos principais critérios utilizados para diferenciar a STT do infarto agudo do miocárdio é a ausência de doença coronariana obstrutiva significativa que justifique o grau de anormalidade da contração.
Distribuição regional distintiva da hipocinesia, acinesia ou discinesia do VE com padrão de contração chamado “balonamento” característico ( “balloning”) da área afetada seja medio-ventricular apical ou basal. .
A forma de balão apical ventrícular esquerdo mais comum lembrou a Sato et al. que descreveram esta síndrome em 1990, uma armadilha japonesa para pescar polvos chamada “tako-tsubo”, que se tornou o epônimo da síndrome.
Aproximadamente um terço dos pacientes com STT exibem anormalidades concomitantes do ventriculo direito, e formas isoladas da STT do ventrículo direito também foram descritas.
No entanto, anormalidades de contração podem ser completamente reversíveis entre vários dias e semanas, o que também é uma característica diagnóstica da síndrome.
Apesar dos extensos esforços de pesquisa, os mecanismos patológicos exatos da TTS permanecem discutíveis. Em geral, há um amplo consenso de que uma intensa ativação do sistema nervoso simpático após eventos estressantes e os efeitos do excesso de catecolaminas desempenham um papel central no desenvolvimento da STT.
Um possível mecanismo para mediar o efeito das catecolaminas pode ser a disfunção microvascular com subsequente atordoamento do miocárdio.
No entanto, o conceito não é absoluto uma vez que nem sempre ocorrem gatilhos de estresse, e disfunção da microcirculação também pode ocorrer secundariamente devido à função ventricular esquerda comprometida.
O curso natural do tako-tsubo com recuperação completa da função ventricular inicialmente levou à suposição de um prognóstico muito favorável. Entretanto, há provas convincentes que a evolução da TTS é muito pior do que o esperado.
Os dados actuais indicam que a mortalidade a curto e TTS de pacientes de longo prazo é semelhante ou mesmo maior do que em pacientes com enfarte do miocárdio como ambas as causas cardiovasculares e não cardiovasculares contribuem para o mau prognóstico de doentes TTS.
Embora a mortalidade a longo prazo pareça ter causas não cardiovasculares (por exemplo, devido a tumores malignos), a mortalidade a curto prazo resulta predominantemente de eventos cardiovasculares.
Quanto à presença de arritmias ventriculares (AV) nestes pacientes notamos que na TTS elas foram reconhecidos por muitos anos e incluem: assistolia, atividade elétrica sem pulso (AESP), bloqueio sinoatrial, bloqueio atrioventricular, taquicardia ventricular (TV) e fibrilação ventricular (FV).
No entanto, os dados iniciais limitaram-se principalmente a relatos de caso único ou a pequenas avaliações retrospectivas, que impediram estimativas válidas da prevalência exata. Um grande estudo prospectivo relatou arritmias de vários tipoos (assistolia, bloqueio atrioventricular total, TV, FV) em 13,5% dos casos de TTS, onde as arritmias de alto risco foi responsável por cerca de 10% de todos os casos.
Portanto, a carga de AVs na TTS foi largamente subestimada por muitos anos, ilustrada em uma revisão das prevalência na literatura mostrando taxas tão baixas quanto 2%.
Um registro de autores alemães sobre arritmias, particularmente as ventriculares, na TTS, mostra que as taxas estão na extremidade superior da prevalência (13%) relatados por outras fontes.
A FV compreende aproximadamente um terço destas arritmias e é frequentemente a primeira documentada exigindo ressuscitação cardiopulmonar.
A maioria dos eventos ventriculares na TTS é a TV, sustentada e não sustentada. Em particular, a TV polimórfica com prolongamento do intervalo QT (torsades de pointes) é repetidamente documentada mas também pode ser vista em intervalos QT normais. Entre os diferentes tipos de TV, a persistência da arritmia é obviamente um fator crucial, dada a maior mortalidade da TV sustentada em comparação com a TV não-sustentada. Além disso, a TV monomórfica ustentada, mais frequente, em vez da TV polimórfica, parece contribuir significativamente para o aumento da mortalidade.
A presença de uma onda J foi identificada como um indicador do aparecimento de TV na TTS e poderia ajudar a identificar pacientes com maior risco de arritmias.
O aparecimento de FV ou VT foi claramente associada à menor sobrevivência em pacientes com TTS, não apenas durante os estágios agudos da doença, mas também na fase de convalescença.
Os mecanismos predominantes que fundamentam a maioria dos AVs são reentrada, atividade deflagrada e automatismo aumentado.
A reentrada é o mecanismo mais predominante da AV principalmente com TV monomórfica, em doença cardíaca estrutural. Os pacientes com determinadas cardiomiopatias (v.g.: isquémicas, hipertróficas, infiltrativas ou miocardites) apresentam danos no miocárdio e fibrose cicatricial.
As cicatrizes no miocárdio circundante a áreas normais e regiões fibróticas são caracterizadas por uma condução eléctrica relativamente lenta e descontínua cria um substrato eletrofisiológico e anatómico para arritmias reentrantes.
No entanto, a TTS é uma doença não isquêmica e estudos de imagem por RNM demonstraram a ausência de um aumento significativo no realce tardio com o gadolínio (LGE de acordo com sigla em ingles). método não invasivo padrão para visualização de fibrose cicatricial / referência.
Portanto, um substrato anatômico para reentrada no TTS não é diretamente evidente. No entanto, um olhar mais acurado verá que o realce tardio com gadolínio pode ser encontrada em, aproximadamente, 9% dos doentes com TTS, com intensidade do sinal de limiar comumente utilizado ligeiramente superior.
Outro estudo confirmou a presença de “patches” de LGE em alguns pacientes TTS com aumento desproporcionado na matriz extracelular (colagénio-1) e uma possível correlação com biópsias endomiocárdicas.
Embora ambos os estudos mostrarem a ausência de LGE mensurável no rastreamento com RNM , as alterações poderia representar um substrato arrítmico durante TTS de fase aguda / subaguda.
Além disso, heterogeneidades eletrofisiológicas que causam reentradas funcionais sem um substrato anatômico clássico também devem ser consideradas. A existencia de edema miocárdico na área afetada pela contração anormal é um achado típico na maioria dos pacientes com TTS e poderia ser a base da arritmia.
Estas áreas edematosas pode induzir alterações eléctricas semelhantes às descritas acima em miocardite aguda e infarto do miocárdio
Por conseguinte, a coexistência de áreas do miocárdio com diferentes condutividades elétricas podem predispor devido a reentrada AV funcional.
A heterogeneidade elétrica é refletida nas várias alterações dinâmicas no ECG em pacientes com TTS e poderiam causar a actividade deflagrada.
No artigo descreve-se um padrão nas alterações da repolarização, mas nem todas as fases são documentadas em todos os pacientes com TTS, dependendo gravação de ECG em tempo amis prolongadpo após o início dos sintomas.
Caracteristicamente, a fase inicial é caracterizada pela elevação do segmento ST, seguida por inversões gigantes da onda T que persistem durante várias semanas até à recuperação.
Analogamente as anormalidades da contração ventricular esquerda refletidas no ECG não podem relacionar-se com uma única artéria coronariana em pacientes com TTS.
Relata-se uma forte correlação entre o edema do miocárdio e o grau de alterações da repolarização, o que sugere uma relação causal.
Além disso, a disfunção microcirculatória poderia contribuir, até certo ponto, para essas alterações de repolarização. Importante ondas T invertidas e profundas são frequentemente acompanhadas por um prolongamento substancial do QT (similar ao padrão de Wellens).
A amplitude da negatividade da inversão da onda T foi diretamente correlacionada com a duração do intervalo QT no TTS, atingido o pico de intensidade no 3ª dia após a admissão conforme pequena avaliação de um único centro.
Actividade simpática e catecolaminas, que são presumivelmente fatores importantes na TTS, têm um impacto adicional na duração do intervalo QT.
Foi reportado prolongamento do intervalo QT em um número considerável de pacientes em várias coortes de TTS o que levou a considerar a doença como uma forma de síndrome do QT longo adquirido.
Despolarização precoce induzindo atividade deflagrada e estabelecendo potencial de ação prolongada pode ser um mecanismo de arritmias na TTS, em particular na taquicardia ventricular polimórfica / torsades de pointes.
Além disso, excesso de catecolaminas pode promover a atividade com potencial de ação retardado causando pos-despolarização retardada por sobrecargara intracelular de cálcio.
De um modo geral, as células miocárdicas dos nós sinusal e atrioventricular não mostram nenhuma atividade espontânea, mas podem exibir automatismo anormal sob certas condições. Acredita-se que este mecanismo desempenha um papel em arritmias induzidas por catecolaminas e, portanto, também pode causar AV em pacientes com TTS.
Em suma, como considerações finais, todos os mecanismos acima mencionados são possíveis contribuintes para o aparecimento de AVs na TTS, embora o impacto é susceptível de variar ao longo do curso clínico da doença.
Catecolaminas e atividade simpática parecem ser fatores particularmente importantes em eventos arrítmicos muito precoces. Em contraste, alterações da repolarização e estruturais do miocárdio podem evoluir durante várias horas ou dias e parecem desempenhar um papel importante durante este período. Como a recuperação completa do edema do miocárdio e normalização do QT ocorrem após várias semanas, elas podem assumir um aumento contínuo no risco de AVs até a recuperação completa.
No entanto, não se deve esquecer a possibilidade de que a TTS pode surgir secundariamente devido a uma doença do ritmo cardíaco em pacientes com condições pré-existentes (por exemplo, síndrome do QT longo, TV polimórfica catecolaminérgica e displasia arritmogenica do VD).
As AVs contribuem significativamente para a morbidade e mortalidade em pacientes com TTS, o conhecimento desta complicação potencial é essencial para a detecção precoce e início imediato de estratégias de tratamento adequadas.
Na verdade, um consenso recentemente publicado recomenda monitorização contínua do ECG em unidades de cuidados coronários durante pelo menos 24 horas em todos os pacientes com suspeita de TTS.
Além disso, deve-se fazer um registro de ECG de 12 derivações regularmente para documentar as mudanças dinamicas da repolarização associada com a TTS e avaliar a duração do intervalo QT. Por fatores de risco adicionais para arritmias (p. Ex., Síncope anterior, uma grave deterioração do curso da função ventricular esquerda ou prolongamento do intervalo QT), a monitorização deve estender-se conforme a avaliação individual..
Os desequilíbrios eletrolíticos podem desencadear o aparecimento de eventos arrítmicos. Portanto, os níveis de eletrólitos (especialmente o potássio) devem ser verificados rotineiramente e corrigidos para valores normais, se necessário.
A literatura atual não fornece muitos dados baseados em evidências sobre o tratamento farmacológico da STT ou a melhor estratégia para tratar ou prevenir arritmias.
Na ausência de recomendações específicas, os pacientes com STT geralmente recebem tratamento padrão para insuficiência cardíaca.
Os betabloqueadores são frequentemente usados com base no pressuposto de um aumento na atividade simpática. Presumivelmente, os beta-bloqueadores também são eficazes para a prevenção de AV primária e secundária.
Entretanto, o risco de distúrbios de condução levando a bradiarritmias relevantes, bem como à TV induzida por bradicardia, deve ser considerado.
Da mesma forma, o uso de outras drogas antiarrítmicas geralmente não é recomendado e deve sempre ser avaliado o risco/benefício individualmente contra possíveis efeitos colaterais.
Em particular, drogas que prolongam o intervalo QT devem ser evitadas, dada a alta prevalência de prolongamento do intervalo QT.
A aceleração da recuperação em pacientes com STT e com função ventricular esquerda gravemente reduzida também poderia ser uma estratégia potencial para prevenir arritmias. No entanto, faltam dados randomizados que justifiquem recomendações gerais quanto ao uso de inotrópicos positivos.
Estudos preliminares pequenos sugerem um potencial beneficio do sensibilizador de cálcio, levosimendan e do inibidor da fosfodiesterase-3, milrinona em pacientes com choque cardiogênico na TTS, mas isso requer validação em estudos futuros.
É importante mencionar o uso de catecolaminas (por exemplo, dobutamina. ou epinefrina) deve ser evitada sempre que possível, uma vez que o curso clínico pode agravar devido aos seus potenciais efeitos pró-arrítmicos e associação causal presuntiva aparente das catecolaminas na TTS.
A necessidade de desfibrilhadores implantáveis (CDI) em pacientes com AVs em TTS é controversa e discutida, em vista do curso natural da doença tera a possibilidade de total recuperação da função ventricular na sua evolução.
Da mesma forma, foi demonstrado que as alterações de repolarização e o prolongamento do intervalo QT são completamente resolvidos.
O risco arrítmico também foi considerado transitório, uma vez que a AV ocorre quase exclusivamente durante a fase aguda e subaguda. Existe apenas um único estudo relatando dois pacientes com STT que receberam CDI e não necessitaram de choques no dispositivo durante o acompanhamento de longo prazo.
Também deve-se considerar o risco de complicações (p. Ex., Sangramento, pneumotórax, infecção ou inapropriados dispositivo choques), que podem superar os benefícios potenciais do implante de CDI e optar por uma abordagem conservadora.
Por outro lado, um número considerável de pacientes com TTS morrem durante o seu curso e as circunstâncias da morte não são claras.
Eventos arrítmicos tardios não podem ser excluídos nesses pacientes. Além disso, a TV monomórfica representa uma porção considerável das AVs na STT e tem sido associada a maior mortalidade.
Enquanto a TV polimórfica poderia ser interpretada no contexto de prolongamento transitório do intervalo QT, os mecanismos subjacentes de TV monomórfica são menos óbvios e não pode ser detectado.
Atualmente, para qualquer indicação de um CDI, avaliação rigorosa das características do paciente (co-morbidades), o tipo de AV, evolução da função ventricular esquerda e prolongamento do intervalo QT são necessárias.
Tratamentos transitórios, tais como desfibriladores portáteis ou de estimulação transvenosas do ventrículo direito, no caso de AV induzida por bradicardia e alto risco, podem ser usados para fazer a ponte na TTS até a recuperação e deixar a decisão final sobre um dispositivo permanente expectante, para evitar implantes desnecessários.
Nesse contexto, também deve ser mencionado que a situação aparece de forma diferente nos casos de bloqueio atrioventricular total permanente em pacientes com STT.
Embora alguns dados tenham sugerido a restauração da condução atrioventricular, em outro estudo, os controles regulares do dispositivo revelaram uma necessidade contínua de estimulação ventricular mesmo anos após a recuperação do TTS.
Esses dados favorecem o implante de marca-passo definitivo, principalmente nos casos de bloqueio de alto grau precoce e persistente, e destacam a possibilidade da STT ser secundaria à outra doença cardíaca, que deve ser incluída nas considerações terapêuticas.
Em conclusão, os eventos arrítmicos ventriculares são frequentes e um importante determinante da morbimortalidade em pacientes com STT.
O conhecimento deste fato deve ser aumentado entre os médicos para garantir um manejo adequado com monitoramento contínuo do ECG durante a fase aguda. Os mecanismos subjacentes da AV na STT parecem envolver múltiplos fatores, incluindo extenso edema miocárdico, distúrbios de repolarização, catecolaminas e sobrecarga simpática.
Faltam estratégias terapêuticas baseadas em evidências e a necessidade de DCIs permanentes é uma questão de debate, tendo em vista a natureza transitória da doença. Portanto, determinações abrangentes são necessárias caso a caso, até que estudos adicionais forneçam uma base para recomendações gerais de tratamento.
* Christian Möller, Charlotte Eitel, Ingo Eitel e Thomas Stiermaier. Arritmias ventriculares em pacientes com síndrome de Takotsubo. Jornal de arritmia. 2018; 34: 369-375